Lisboa: processo de reversão intervencionista em curso


Vivi 30 anos em Lisboa. Em Alfama. Praticamente nasci lá tendo saído no dia em que me casei e vim viver para Almada. Vivi em Lisboa entre 1970 e 2000. Recordo-me bem do que foram estes 30 anos. Recordo-me da degradação de Alfama, da degradação do edificado dos tão típicos “bairros históricos”. Recordo-me da pobre Baixa, da rua do Ouro e da Prata, das pequenas lojas de empobrecidos comerciantes com pouco e antigo stock, pequenas retrosarias, papelarias cafés…tudo as moscas. Dos restauradores, do terminal do Rossio com a linha de Sintra, cinzento, envergonhado, perigoso à noite. Fui pendura num 28 cheio de idosos, que subia e descia a Voz do Operário, as vezes ia até lá baixo, no limite até ao São Luis. Tudo velho, a cair. Essa era Lisboa onde eu vivi até a deixar por lá no fim da década de 90

Porque tudo isto ? 1 ) As rendas. As rendas congeladas, do tempo do Salazar, rendas mínimas de que muitos beneficiaram como os meus pais, muitos menos os senhorios, que dali nada tiravam, não tendo qualquer estímulo para investir na casa e deixando degradar o parque habitacional da cidade. Por outro lado, 2) construir em Lisboa, como o mercado pedia, sempre foi marcado pela extraordinária dificuldade devido a burocracia e ao compadrio, à dificuldade do retorno do investimento em tempo adequado.

Até que chegou a revolução do Turismo e do alojamento local, do AirBnB. Lisboa tornou-se diferente, mais nova, jovem, dinâmica, pujante. Viva. Todos ganharam, até os “Robles desta vida”, ganharam os das taxas e taxinhas, para reconstruir, requalificar, refazer o que quer que fosse. Todos os que recuperaram Lisboa para que ela se tornasse mais moderna, pagaram e pagaram bem. Investiram. E Lisboa ficou melhor.

Aqui chegados temos Medina. Perante um momento de fragilidade em que o mercado urbano se encontra e que irá por si reequilibrar, o homem, perante as dificuldades actuais dos proprietarios que recuperaram Lisboa "vai devolver a cidade às casas acessíveis para os trabalhadores dos hospitais e dos transportes, professores e a milhares de outras pessoas e garantir que os [privados] criam moradias acessíveis muito necessárias no processo". Que vai fazer Medina ? Limitar, regular, intervir ainda mais no mercado, taxar aqui, subsidiar ali, acabar com o AL e com o AirBnB tornando-o tão pesado, tão burocrático, tão desinteressante de investir que o retrocesso que hoje já se sente será acelerado. O que mudou Lisboa para melhor apesar das lamentáveis políticas urbanas vai ter uma reversão. Onde é que vai buscar o dinheiro para isto ? Não sei. É que serão quatro milhões de euros por ano de "renda segura" para uma Câmara que tinha um passivo de 904 milhões de euros em 2018. Mas sei que um gajo destes nem presidente de junta pode ser (com todo o respeito pelos presidentes de junta), quanto mais presidente da CM de Lisboa.

Comentários