A Espada de Dâmocles

A espada de Dâmocles é uma alusão frequentemente usada para remeter a este conto, representando a insegurança daqueles com grande poder (devido à possibilidade deste poder lhes ser tomado de repente) ou, mais genericamente, a qualquer sentimento de danação iminente.
Na lenda de Dâmocles a espada erguida sobre a testa  do governante implica a fragilidade que vem com o poder. Em democracia essa fragilidade é criada pela possibilidade de o povo provocar a queda do mesmo governante via descontentamento, insatisfação e desagrado. 

É a maior garantia que pode haver de moralidade, probidade e quase-certeza em como o governante não incorre em demasiadas acções daninhas contra o povo. Um incentivo à boa governação e uma segurança de virtude pública. 

Nas sociedades modernas os governantes usam todos os meios possíveis para evitar a queda da espada mas, apesar de muitas tropelias que possam fazer com o exercício do poder, a mesma espada está inevitavelmente suspensa sobre as suas acções via julgamento popular das suas acções. 

A que propósito vem isto? A propósito de ler ou ouvir de alguns amigos:

1. A democracia é inválida porque leva sempre à degenerescência e por isso deve ser abolida;

2. Não devemos votar para não validarmos o sistema afirmando o nosso protesto pela abstenção ou outro modo de não "certificar" os regimes.

Alguns pedem mesmo uma espécie de retorno a um estado pré, ou pós democrático em que uma "aristocracia", iluminada certamente, gira os interesses do poder e do povo via virtude superior. Outros pedem a entrega da nossa soberania a outros países mais "competentes" tal como será a Espanha. 

Ora bem, vou retirar do interesse de discussão a nossa submissão a Espanha, obviamente absurda pois Espanha tem tantos, ou mais problemas na sua gestão da coisa pública como nós e nada nos garante que os políticos espanhóis, a sua "aristocracia", seja mais eficiente que a nossa, e contemplar apenas a hipótese da república autoritária aristocrática virtuosa

Como chegaríamos a essa república? Só por um de dois modos: 

1. O povo seria chamado a decidir em referendo pelo fim da democracia nacional;

2. Uma élite armada revoltar-se-ia e instauraria o novo regime com um golpe de estado.     

Seja qual for o modo de chegada à república virtuosa (neo-platónica) e sabendo nós que a corrupção do espírito (e da carne) são intrínsecas à natureza humana, o que garantiria, como seria preservada a pureza de espírito dos novos governantes não-eleitos, autocratas e absolutistas? Por um acto de Fé na natureza humana desses regedores? Não desapareceria imediatamente a espada de Dâmocles? O que ficaria como última garantia da probidade dos mesmos governantes? A Fé? - Irracional, não excluindo a premissa da racionalidade da Fé em Deus. Fé no Homem Virtuoso? O que significa essa Fé?   

O poder que temos em democracia, o essencial, não é podermos escolher quem nos governa. É, ao contrário, podermos escolher - quem não nos deve governar -. 

Claro está que nas suas múltiplas e inúmeras deficiências, a democracia gera dentro de si mecanismos de granjeamento e manutenção no poder das classes mais corruptas. Isto, via controlo das mentes populares por meio das escolas, dos mass-media, das estruturas produtivas e empresariais e outro.

Onde fica então o poder do povo se lhe é retirado pela doutrinação e conformismo crónico cultivado pelos maus governantes? - Está no povo. Não saiu de lá e há apenas um modo de o reforçar: pela informação distribuída e descentralizada.

O advento da internet e das redes sociais de contacto e interacção directa entre as pessoas é um facto histórico (muito recente - não tem mais que vinte anos) e os resultados já estão à vista em muitos lugares do mundo. Ou seja, a comunicação distribuída e descentralizada está a reforçar o poder da espada de Dâmocles. É uma autêntica revolução sócio-política. O facto de partilharmos, debatermos, trocarmos conteúdos livremente e sem intermediários estatais é tão importante cultural e politicamente como foi a invenção da imprensa por Guttenberg por volta de 1439.  Pela própria configuração original da internet o sistema será sempre distribuído e tem a capacidade de autonomia de criação de distribuidores de conteúdos originais e livres de controlo centralizado.   

Assim sendo, considerando que temos 20 anos de descentralização de conhecimento, e mesmo constatando o movimento no sentido de alguma idiotia generalizada (provocada e mantida pelos mass-media e instituições escolares da governação) o que será melhor manter como alternativa?

Não abdicarmos do poder do voto e da espada de Dâmocles? 

Ou entregarmo-nos à Fé no hipotético Homem Virtuoso?             

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