Os Bons Selvagens



O mundo ocidental está moralmente lobotomizado. Sobram agora alguns resistentes sem expressão, uma maralha de corruptos e os cegos que cantam as virtudes dos princípios éticos e políticos, mas, precisamente porque são cegos, não compreendem que fazem igualmente parte do problema. 

O ocidente vive agora o estertor final, mais ou menos acentuado, apenas o futuro o dirá, da enorme experiência iluminista que, crente na divina razão, e na superioridade intelectual ocidental, se arrogou banhada em hubris a guiar o mundo inteiro prelos freios da razão ao jardim da “paz perpétua” mundial. 

Mas, apesar de pretensamente iluminados não passaram de cegos, repito, porque não compreenderam que o ser humano não é o agente racional que imaginaram conseguir descortinar os “verdadeiros”, porque racionais, princípios — os tais que continuam a cantar — condutores da boa sociedade. 

Muito pelo contrário, o ser humano é um pouco mais complexo que esse homúnculo moralmente amputado que a inteligência liberal-iluminista inventou e que, apropriadamente, Rawls traduziu para quem não conseguiu ler Kant no célebre “véu de ignorância”. 

Ora, acertou na parte da ignorância. 

Aquilo que os génios não viram, nem vêem ainda hoje, é que os princípios não se aguentam no ar, como anjos, ó “iluminados” — quanta arrogância no nome desde logo —, pelo contrário, os tais princípios apenas se aguentam sobre o chão dos valores, da cultura, da religião, ou seja, da ordem moral. Lobotomizada esta em nome da multicultural e relativista diversidade, não sobra nada onde suster tamanhos princípios. 

Os liberais dos princípios — vejo-os aí por todo o lado supostamente direito — são a orquestra no enorme naufrágio ocidental. Querem um vislumbre do futuro? Hobbes explica: todos contra todos. E, depois, para resolver, o tirano. 

O bom selvagem Rousseauniano só existiu na imaginação ingénua e arrogante dos bem pensantes racionalistas. Duvidam? É ver esses bons selvagens a partir tudo, a derrubar tudo, a destruir tudo — tudo o que, na sua selvajaria, não compreendem nem alcançam. 

Assim é a barbárie. E quem, moralmente lobotomizado e mediaticamente hipnotizado, aplaude não merece melhor destino do que as estátuas que a turba se entretém a afogar nos rios.

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