ALGUÉM TEM QUE CEDER




A semana passada chegaram notícias de Bruxelas de que o Parlamento Europeu e Conselho tinham chegado finalmente a um acordo sobre a proposta da Comissão (de Maio) para o orçamento e plano de recuperação. 

 O Acordo interinstitucional de 10 de Novembro de 2020, com um valor total de €1.8 biliões de euros, atribui uma dotação de €1.074 biliões para o Quadro Financeiro Plurianual (MFF) e ainda €750 mil milhões a serem utilizados no âmbito do Plano de Recuperação Europeu, NextGenerationEU, criado para fazer face à crise causada pela pandemia e impulsionar a transição verde e digital. Como parte do Acordo, foi introduzido um mecanismo de condicionalidade ligado ao Estado de Direito, que permite que quem desrespeite os princípios do Estado de Direito perca o acesso a fundos europeus. 

Dias depois, num twist não inteiramente inesperado, os embaixadores da Hungria e da Polónia bloquearam esse mesmo Acordo numa reunião do Conselho, na segunda feira dia 16 de Novembro. O motivo para o “veto” é a oposição ao mecanismo de condicionalidade, o qual foi aprovado por maioria qualificada nessa mesma reunião. 

Em detalhe, o bloqueio ao pacote financeiro por parte da Hungria e da Polónia é conseguido (1) usando o seu direito de veto para bloquear a Decisão sobre Recursos Próprios, um pré-requisito essencial para que a Comissão possa recorrer aos mercados para emitir a dívida que irá financiar o NextGeneration EU, e (2) recusando apoiar o MFF. Ficam, assim, bloqueados os dois instrumentos financeiros fundamentais da União: o orçamento para os próximos 7 anos (que deveria entrar em vigor a 1 de Janeiro de 2021) e o plano de recuperação. 

Esta atitude por parte dos governos Húngaro e Polaco embora não seja uma novidade (na medida em que ambos sempre manifestaram a sua firme oposição a um qualquer mecanismo que ligasse os fundos europeus ao cumprimento das regras em matéria de Estado de Direito) não deixa de abrir uma crise institucional, sem resolução fácil à vista. 

Ninguém espera mudar a posição de ambos os governos até ao Conselho Europeu de dia 19 de Novembro e também não se antevê que os demais Estados abdiquem do mecanismo de condicionalidade. Mas mesmo que esse fosse o caso, e que os demais governos cedessem à pressão da Hungria e Polónia, o novo texto que saísse do Conselho nunca seria aprovado pelo Parlamento Europeu, o qual ao longo de toda a negociação mostrou ser absolutamente intransigente nesta matéria, incluindo pela voz do PPE, partido a que (ainda) pertence o Fidesz de Orbán. (Não podemos esquecer que o MFF tem que ser aprovado por ambas as instituições.) 

Assim, ao dia de hoje, a União debate-se com um problema de complicada resolução: sem Hungria e Polónia não há Orçamento aprovado no Conselho. Sem mecanismo de condicionalidade, não há Orçamento aprovado pelo Parlamento. Sem Orçamento, não há Fundo de Recuperação, mas também não há reforço dos fundos de coesão, nem dos programas europeus e continuamos dentro do quadro financeiro anterior. Uma EU sem poder de fogo face a uma crise económica sem precedentes. 

Neste jogo, é evidente que alguém terá que ceder, mas qualquer cedência tem o potencial de levar a problemas mais à frente. A Decisão sobre Recursos Próprios, que é o instrumento que permitirá financiar o NextGenerationEU tem que ser ratificada pelos Parlamentos Nacionais. Hungria e Polónia podem até deixar passar agora o Acordo para logo a seguir o fazer cair às mãos dos seus Parlamentos. Pelo contrário, havendo cedências às exigências de Húngaros e Polacos, podem ser os parlamento dos Estados que consideram que foram feitas demasiadas concessões em matéria de Estado de Direito e não ratificar. 

No entanto, a Polónia e a Hungria já perderam uma batalha relevante. O mecanismo de condicionalidade foi aprovado, e mesmo sem novo orçamento, e vivendo a EU os próximos anos com o anterior quadro financeiro, a ligação ao Estado de Direito já existe e irá condicionar o desembolso de fundos. Se a ideia do veto é forçar o Conselho Europeu a recuar na decisão do mecanismo de condicionalidade, esta arrisca a criar um impasse quer com o Parlamento Europeu quer com os Parlamentos nacionais, como já explicámos. 

Quer isso dizer que o bloqueio é absoluto, sem possibilidade de resolução? Teoricamente, é possível, embora tecnicamente complicado, separar o programa de recuperação do MFF e adoptá-lo através de acordo Intergovernamental (à semelhança do que se passou com a ajuda financeira durante a crise de 2008). O financiamento nos mercados seria feito por um SPV e não pela Comissão, directamente, o que é uma possibilidade que embora não seja desejada pela Comissão, já foi experimentada. Para além do mais, é uma solução que permitiria isolar Hungria e Polónia. Não fariam parte do acordo, não o poderiam bloquear e como consequência, não seriam beneficiários. Claramente esta não será a solução desejada pela Hungria e pela Polónia, mas mantendo-se o braço de ferro, pode bem ser o caminho escolhido. 

Para já, o que parece ser evidente é que a 1 de Janeiro de 2021, quando se inaugurar a Presidência Portuguesa do Conselho, não haverá MFF aprovado, nem plano de recuperação. E até lá, os tempos serão conturbados e interessantes. Alguém terá que ceder. Alguma coisa terá que ficar pelo caminho. Curiosamente, o Comissário do Orçamento escreveu hoje no Twitter: “This is not about ideologies but about help for our citizens in the worst crisis since WWll!

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