ET TU, ACÁCIO?

 


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A Direita portuguesa, para gáudio da Esquerda, continua agitada com reacções e contra-reacções à carta publicada no jornal Público, abaixo-assinada por diversas personalidades, mais ou menos conhecidas da vida pública, que procuram, segundo eles, defender a “ordem liberal”. Já muito se publicou a criticar o documento, e a criticar quem o criticou, bem como a criticar quem criticou os que criticaram, estando gerada uma polémica intelectual, política e, como não poderia deixar de ser em Portugal, social, por vezes já de faca e alguidar. 

Venho deitar mais uma acha para a fogueira porque, ao contrário da maior parte das polémicas indígenas, ocorre o facto desta aparecer-me como importante, útil, até mesmo definidora e, porventura, fundacional para aquilo que a Direita terá que ser, isto se não se quiser resignar a viver por conta, na oposição, à sombra, não da bananeira mas do Partido Socialista. 

Desde logo, e como já foi sobejamente referido, a coisa falha quanto aos princípios. A carta titula-se pela clareza, que não tem, e assume-se como uma defesa por princípios e doutrinas, que não elenca; como exercício estilístico, também não se safa: é pobre e mal construído. A forma, no entanto, mesmo que pejada de fraca arte e ainda menor engenho, prejudica claramente o conteúdo da missiva, é verdade, mas apenas na medida em que se torna evidente que não o tem. 

No entanto, a verdade é que nem de outra forma poderia ser: querem os abaixo-assinantes clamar por princípios que no momento em que os procurassem definir no concreto — no mínimo, quanto ao abuso ou infracção com que acusam os adversários que excluem da “boa” ordem liberal — apenas revelariam de imediato fracturas e discórdia entre os próprios assinantes. 

Na prática, apenas o vazio do abstracto une o grupelho. Quando instados a justificar a assinatura de forma mais concreta, cada qual corre para seu lado: uns dizem que o manifesto é contra o Chega!, outros gritam enquanto se benzem que é contra Donald Trump, outros ainda fogem e afirmam-se afinal contra todos aqueles que não sejam pela letra da carta, seja essa qual for. Em boa verdade, o exercício, de uma perspectiva teórica, em considerando o seu vazio, vale tanto como a qualidade estética: nada, ou quase nada. 

Então por que razão o sururu? 

Porque, apesar da inabilidade do escriba, imagina-se que um dos signatários, a carta revela perfeitamente ao que vem: dividir, excluir, separar. E de que forma? Ora, da mesmíssima forma como a esquerda sempre o faz: chamando a moral e a ética para o seu campo, declarando-se seus fieis intérpretes e assumindo que quem não concorda com eles não é pela moral, pelos bons costumes ou, no caso, pela “ordem liberal”. 

São, pois, estes os novos Conselheiros Acácios da política portuguesa culturalmente dominada pela Esquerda: pelos princípios, de dedo em riste, no vazio de concretas convicções, e plenamente estabelecidos, inseridos, comparsas para com a ordem vigente, mesmo que esta seja, como o é hoje, a da Esquerda cultural e social que escorre e pinga pelos jornais e TV, os manifestantes abaixo-assinados vêm dizer que se não pensamos como eles não somos dignos representantes da “boa” ordem liberal. 

Aqui reside, mesmo que inconscientemente, a verdadeira causa da polémica. Quem elegeu aqueles senhores como fieis e exclusivos intérpretes do “bem”? Ninguém, a não ser os próprios. Quem admite que a interpretação que o grupo faz dos seus princípios é a correcta, a melhor, ou até aquela que mais eficazmente defende os tais princípios, ou sequer a dita ordem liberal? Ninguém, a não ser os próprios. 

Esta arrogância, um vício que salta à vista de cada leitor do “manifesto”, representa um ataque a todos aqueles — como eu — que defendem a ordem liberal com posições diferentes das dos assinantes. Pior: fazem-no pela forma habitualmente utilizada pela Esquerda, com as armas da Esquerda, e em nome de uma interpretação cultural dominada por esta e que cada vez mais vai configurando, se a Direita quiser ser outra coisa que não um apêndice subalterno da Esquerda, o verdadeiro embate político e cultural contemporâneo. 

Depois, ao procurarem excluir dos defensores da ordem liberal todos aqueles que não concordam com eles, forçam ao toque: afinal, quem se pica diz ai. Seria espectável que todos aqueles que não se revejam no vazio dos advogados de uma ordem liberal abstracta, cultural e formalmente definida pelas regras da Esquerda, ficassem calados sob o labéu de iliberal, malandro, xenófobo ou qualquer outro? Naturalmente que não. 

Em suma, não bastando a arrogância própria do Conselheiro Acácio, bem como o seu vazio, ainda para cima em nome de uma suposta Direita Liberal assumem, mesmo que de forma encapotada, as dores da Esquerda. E, para os incrédulos, se o desvendar da forma, do conteúdo e da moral típica da Esquerda por detrás do vazio do manifesto não vos basta, atente-se nas consequências práticas do dito e a quem este garante proveito: no exacto momento em que nos Açores a Direita se prepara para uma primeira vitória eleitoral em terreno até aqui hostil logo aparece um manifesto cuja aplicação prática implicaria o reverso dessa mesma vitória, ou seja, uma garantia de que o PS continuaria a ser Governo nos Açores. 

Aliás, o cenário prático ainda exige maior reflexão: em assumindo que as sondagens têm hoje alguma ponte com a realidade, e em sendo uma consequência, mesmo que não textualmente assumida — um sinal de fraqueza e pouquíssima clareza —, a recusa de entendimentos parlamentares com o Chega! apenas garante uma coisa: que a Direita ficaria arredada do poder enquanto o PS não se incomodar de negociar apoio político governamental com a Extrema-Esquerda parlamentar e garantir sempre mais votos do que a Direita sem o Chega!. 

Ou seja, quem ganha então com o “manifesto”? Ora, o Dr. Costa, pois claro. Seja por se transformar um momento de vitória da Direita numa suposta cisão nessa mesma Direita; seja por configurar uma encapotada defesa das condições que garantem a manutenção do predomínio socialista na governação portuguesa. 

Podem os adeptos do manifesto estrebuchar sob as críticas clamando de mão ufana no peito os seus triunfos oratórios contra o PS e a Esquerda. Mas se utilizam as armas da Esquerda, se assumem — mesmo que inconscientemente — o domínio cultural da Esquerda, e se as suas acções beneficiam a Esquerda, então as coisas são o que são: podem os Conselheiros Acácio abaixo-assinantes esticar muito os dedos, levantar-se dos seus cadeirões em nome da Direita, falar muito alto — incluindo até verberando contra os críticos de forma injusta e disparatada — mas, apesar das palavras vazias, quanto aos actos, a verdade é que estes foram contra a Direita, contra muitos dos seus aliados conservadores e liberais, e traindo os interesses dessa mesma Direita. 

Mas a polémica é boa precisamente por separar águas. Nenhum dos abaixo-assinantes representa qualquer partido político, por exemplo. Já os partidos políticos apressaram-se a resolver o problema Açoreano de forma satisfatória e bem-sucedida para a Direita e, mais importante, para os Açoreanos. O mote está dado, pois, para o país o que revela que, para os agentes políticos que de facto importam, a “traição” arrogante de quem se imagina como dono do que significa ser-se a “boa Direita” não interessou rigorosamente para nada. 

Aliás, se alguém sai da polémica vencedor esse alguém é Rui Rio: onde antes a crítica à sua liderança residia no vazio que o caminho do PSD de Rio para o Centro deixava à Direita, com o separar águas face ao PS nos Açores congregando toda a Direita sob um acordo por si liderado, Rio transforma o PSD no inegável líder da Direita, um papel que estava efectivamente vago desde a saída de Passos Coelho e o enterrar definitivo da PAF. Este triunfo não é de somenos importância, e sem ele o regresso ao poder seria provavelmente impossível. 

O primeiro passo está dado e também aqui o “manifesto”, ou pelo menos a polémica em seu redor, se revela como importante: a futura Direita que derrotará a Esquerda será precisamente aquela que encarnar o oposto do que o “manifesto” representa: uma Direita popular e não (arrogantemente) elitista, aceitando o que as pessoas têm para dizer e não impondo-lhes o que devem pensar, realista e não utópica, concreta e não abstracta, prática e não obscura, fiel aos valores e princípios da Direita, e não aos do politicamente correcto imposto pela Esquerda contemporânea. 

A reacção de rejeição geral e inflamada à “traição” dos nossos Conselheiros Acácios é, portanto, de relevância infinitamente superior ao alcance do medíocre documento que abaixo-assinaram: porque aponta uma união à Direita no caminho para a vitória. E se os Conselheiros Acácios mental e culturalmente colonizados pela Esquerda a essa futura vitória prefeririam a manutenção da família César nos Açores e do Dr. Costa na República, o problema é deles. 

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