Joe Biden e o regresso da NATO
Passou despercebida aos media nacionais não só a recente entrevista da ministra da defesa alemã, Annegret Kramp-Karrenbauer, ao POLITICO, bem como a reacção negativa à mesma de Emanuel Macron. Nessa entrevista, a governante alemã, frisou que “both America and Europe need to fully accept the realities of continued U.S. nuclear deterrence on the European continent. Illusions of European strategic autonomy must come to an end: Europeans will not be able to replace America’s crucial role as a security provider.” A esta afirmação Macron respondeu que ”The question, if we are straightforward, is the following: is the change in the American administration going to see Europeans letting up? I profoundly disagree, for instance, with the opinion piece signed by the German Minister of Defence in Politico. I think that it is a historical misinterpretation. Fortunately, if I understood things correctly, the Chancellor does not share this point of view(..).” numa entrevista que recomendo vivamente e onde, para além deste assunto, foram referidos não só a necessidade de combater a extrema dependência tecnológica da Europa, no que diz respeito ao 5G e a cloud, bem como o imperativo de recentrar as relações Europa – Africa na linha de prioridades que Macron deseja que a União Europeia (EU) tenha.
Não é segredo e faz
tempo que Macron defende
um exército europeu como elemento central de reforço da UE. Disse-o repetidamente, chegando a afirmar que a Europa
necessitava, no domínio ciber, de se proteger da "China, Rússia e até mesmo
dos Estados Unidos da América”. Angela Merkel também tem defendido a espaços
esta abordagem mas nunca apoiou totalmente Macron, chegando mesmo a repudiar
afirmações mais fortes do presidente Francês sobre a organização do atlântico
norte. É muito duvidoso que a sua
ministra fizesse aquelas afirmações sem um alinhamento prévio com a sua
chanceler, isto é, a Alemanha está a enviar uma mensagem a Macron; o nosso
alinhamento num exército único europeu não existe.
O fim da guerra fria, marcou o aparecimento de novas tipologias
de riscos e conflitos. A União Europeia, pensada como agente de conciliação e
paz, necessitou de se preparar para novas missões, num contexto geopolítico e geoestratégico
volátil seja a leste, com a gradual assertividade Russa, seja a sudeste com os desafios
provenientes do norte de Africa e Médio Oriente.
Desde o tratado de Lisboa que os esforços da EU em
reforçar o caminho de maior presença militar dentro e fora de portas foram relevantes,
mas esses esforços têm acabado por se desvanecer. O referido tratado deu à
Europa condições para executar operações com e sem a intervenção NATO e muitas
foram já realizadas, onde marcaram (e marcam) presença as forças portuguesas. Mas o facto é que os mecanismos criados pela Europa
para expandir estes esforços, pouco ou nada têm contribuído para o avanço de um
efectivo exército pan-europeu. Por exemplo, apesar do aviso de que a crise do
COVID-19 poderia desencadear desafios de segurança interna e externa imprevistos,
o facto é que orçamento
do Fundo Europeu de Defesa diminuiu 39% em relação à proposta original e o Fundo
Europeu para a Paz diminuiu 46%. A contribuição para a mobilidade militar
sofreu o maior corte e foi reduzida em 74%, isto para o período 2021 - 2027.
Por outro lado, durante o mandato
de Trump, as relações euro-atlânticas deterioraram-se enormemente, com o
presidente dos EUA a promover o Brexit, a abandonar o acordo climático de Paris
e referindo-se recorrentemente a União Europeia como um "inimigo".
A maioria dos líderes europeus
assistiram preocupados ao fim do acordo nuclear com o Irão, ao menosprezo de Trump
pelos aliados NATO, referindo este a necessidade de os europeus aumentarem
significativamente o seu contributo para uma organização que ele mesmo afirmava
estar "decrépita" e “moribunda”. Trump paralisou a Organização Mundial do
Comércio e abandonou a Organização Mundial da Saúde no meio de uma pandemia
global.
Assim, é compreensível que em muitos
países da Europa a vitória eleitoral de Joe Biden fosse recebida com alívio após quatro anos de conflitos com Donald Trump. Mas, lado a lado com esperança
do retorno dos EUA ao multilateralismo, há a preocupação com o que de facto pode
vir a ocorrer. Primeiro a transição; Trump não assumiu a derrota e não irá
facilitar a transição de poder, em segundo lugar, Biden herda um país
profundamente dividido, com indicadores económicos e sociais preocupantes e a política
interna, em particular o crescimento económico e o emprego serão – como o foram
para Trump – as suas principais prioridades. Finalmente a sua abordagem aos
assuntos externos será mais civilizada, respeitosa para com os seus aliados
europeus e rule based. Mas as exigências de Biden serão fortes, a Europa
e em particular a Alemanha e França, terão que fazer muito mais em termos de
dinheiro, unidades e poder militar bem como ter uma estratégia de claro
endurecimento em relação à China. Com Biden, tal como com Trump, a Alemanha terá
de se comprometer com os 2% do PIB para a NATO - está nos 1,6% - e deixar de se esconder entre
as gotas da chuva.
É neste novo contexto que a NATO
reassume a sua importância como organização transatlântica de segurança e
defesa. Biden considera a NATO essencial
para a segurança nacional dos EUA e como ferramenta para proteger as democracias
liberais em todo o mundo. Para os europeus, que enfrentam uma Rússia ao pé da
porta cada vez mais agressiva bem como uma China preocupantemente assertiva nos
domínios comerciais e tecnológicos, um presidente americano comprometido com a
defesa comum é de salientar de forma positiva. O alinhamento é de tal forma real que Stoltenberg
já convidou Joe Biden para
estar presente na próxima reunião de topo da NATO a decorrer muito provavelmente
já em Janeiro ou Fevereiro de 2021.
A NATO, apesar dos desafios internos entre países membros,
dos quais a tensão
Grécia / Turquia é exemplo claro, das ineficiências organizativas e do desinvestimento tecnológico e industrial, deve continuar a
ser o pilar da defesa europeia, aumentando a cooperação entre estados e a interoperabilidade
entre sistemas. Quanto a Portugal, país atlântico que é, não tem qualquer
interesse num exército europeu baseado num previsível eixo franco-alemão
continental nem em nada que diminua a sua capacidade soberana, seja por via de consolidações
fiscais ou militares.
Parece-me que o exército europeu será adiado. A ideia irá cada vez mais perder força esfumando-se o sonho de Macron. Um sonho de um super-estado europeu, ainda mais centralizado em Bruxelas, ultra condicionado pelo eixo franco-alemão tornando em síntese a Europa menos soberana. Biden fez Macron acordar do sonho e isso são de facto boas notícias.
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[Photo by AFD - Agence France-Press]
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